sexta-feira, 4 de julho de 2014

Paris 5 - Verlaine, Hemingway e Sérgio Augusto




Edmilson Siqueira

Em seu livro “E foram todos para Paris” o jornalista e cronista Sérgio Augusto escreve, na página 82: "Por suas bibocas e suas feiras, a Rue Mouffetard talvez ainda mereça uma visita (...)  “Como em dezenas de ruas da cidade, a numeração dos prédios mudou, dificultando a localização precisa de alguns endereços históricos. De qualquer modo, procure o prédio de número 39, onde o poeta francês Paul Verlaine morreu em 1896, hoje um restaurante (La Maison de Verlaine), olhe bem para cima e pense em Hemingway. No último andar ele alugou um quarto, por 60 francos mensais, exclusivamente para trabalhar com a “mitrailleuse” (metralhadora) que era como chamava sua máquina de escrever Smith Corona”.

Com o livro debaixo do braço, depois de consultá-lo novamente durante o petit déjeuner (petit mesmo: um chocolate quente e um croissant), entrei pela Rue Mouffetard disposto a ver se ainda estava tudo lá. Como estava no fim dela, mais ou menos da altura do número 100, previ uma boa caminhada até o 39. Isso porque em Paris os números das casas são em sequência normal, de um lado ímpar e par do outro lado. E, pior, há alguns que se repetem acrescentado a letra A ou escrevendo um “bis” depois do número. Assim, calculei que teria mais de 40 prédios pela frente. E a rua é uma subida, não muito íngreme, mas uma subida.

A Rue Mouffetard já foi mais famosa, já obrigou restaurantes mais frequentados, mas ainda tem seu charme. Há cafés de todos os tipos e comércios principalmente de alimentos. Vi frutas as mais variadas, carnes de todos os tipos – inclusive um restaurante especializado em carne argentina – frutos do mar, massas de algumas regiões da Itália, vinhos dos quais jamais ouvi falar e todos com pose de serem muito bons, e dois prédios distantes mais ou menos uns 80 metros um do outro, da Prefeitura de Paris, ambos dedicados à educação infantil. Achei curioso num espaço tão pequeno, porque parece que na rua parece ter só comércio. Mas não é bem assim: sobre cada restaurante ou comércio, há alguns andares de residências, ou de quartos como o que alugou o velho Ernest.
Já estava no número 45 e certo que, dali umas cinco ou seis casas chegaria ao famoso 39. Mas, depois do 41, começa o segundo prédio das escolinhas e quando ele acaba, a numeração já está abaixo de 20 e, logo em seguida, a rua acaba. Ou seja, não existe – ou não existe mais – o número 39 da Rue Mouffetard.

Confesso que fiquei um pouco decepcionado, mais por um provável erro do Sérgio Augusto – um cara que escreve muito bem e é sempre preciso em suas citações - do que pelo fato de não encontrar a casa de Verlaine ou o refúgio do autor de “Paris é uma Festa”.
 

 
Continuei andando na rua que começava depois da escolinha e que era uma continuação da Mouffetard. Ela vai dar na Sorbone e seria legal passar por ali e também pelo Pantheon. Mas, nem bem tinha andado uns 50 metros, deparo com – adivinhe o quê? – justamente La Maison de Verlaine, exatamente no número 39 da rua... Descartes que é o nome da continuação da Mouffetard. O restaurante estava fechado – aliás, tinha um empregado ou proprietário lavando a frente – mas há uma entradinha fechada por uma porta de vidro ao lado do restaurante, talvez a entrada original da casa de Verlaine.
 
Ali, na pequena fachada, além de uma inscrição em pedra sobre o poeta, há também outra registrando a estada de Hemingway. E várias fotos num quadro, já amareladas pelo tempo. Tentei olhar lá dentro, mas quase levo um banho de mangueira do rapaz que estava lavando tudo por ali. Fui para a calçada do ouro lado – a rua é bem estreita - e, como sugeriu Sérgio Augusto no livro, pensei em Hemingway no andar de cima, há mais de 60 anos, metralhando sua Smith Corona. Agora preciso dar um jeito de avisá-lo que, no caso, não foi a numeração que mudou, mas a própria rua.

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