Edmilson Siqueira
Em seu livro “E foram todos para Paris” o jornalista e cronista Sérgio Augusto escreve, na página 82: "Por suas bibocas e suas feiras, a Rue Mouffetard talvez ainda mereça uma visita (...) “Como em dezenas de ruas da cidade, a numeração dos prédios mudou, dificultando a localização precisa de alguns endereços históricos. De qualquer modo, procure o prédio de número 39, onde o poeta francês Paul Verlaine morreu em 1896, hoje um restaurante (La Maison de Verlaine), olhe bem para cima e pense em Hemingway. No último andar ele alugou um quarto, por 60 francos mensais, exclusivamente para trabalhar com a “mitrailleuse” (metralhadora) que era como chamava sua máquina de escrever Smith Corona”.
Com o livro debaixo do braço, depois de consultá-lo novamente
durante o petit déjeuner (petit mesmo: um chocolate quente e um croissant),
entrei pela Rue Mouffetard disposto a ver se ainda estava tudo lá. Como estava
no fim dela, mais ou menos da altura do número 100, previ uma boa caminhada até
o 39. Isso porque em Paris os números das casas são em sequência normal, de um
lado ímpar e par do outro lado. E, pior, há alguns que se repetem acrescentado
a letra A ou escrevendo um “bis” depois do número. Assim, calculei que teria
mais de 40 prédios pela frente. E a rua é uma subida, não muito íngreme, mas
uma subida.
A Rue Mouffetard já foi mais famosa, já obrigou restaurantes
mais frequentados, mas ainda tem seu charme. Há cafés de todos os tipos e
comércios principalmente de alimentos. Vi frutas as mais variadas, carnes de
todos os tipos – inclusive um restaurante especializado em carne argentina –
frutos do mar, massas de algumas regiões da Itália, vinhos dos quais jamais
ouvi falar e todos com pose de serem muito bons, e dois prédios distantes mais
ou menos uns 80 metros um do outro, da Prefeitura de Paris, ambos dedicados à
educação infantil. Achei curioso num espaço tão pequeno, porque parece que na
rua parece ter só comércio. Mas não é bem assim: sobre cada restaurante ou
comércio, há alguns andares de residências, ou de quartos como o que alugou o
velho Ernest.
Já estava no número 45 e certo que, dali umas cinco ou seis
casas chegaria ao famoso 39. Mas, depois do 41, começa o segundo prédio das
escolinhas e quando ele acaba, a numeração já está abaixo de 20 e, logo em
seguida, a rua acaba. Ou seja, não existe – ou não existe mais – o número 39 da
Rue Mouffetard.
Confesso que fiquei um pouco decepcionado, mais por um
provável erro do Sérgio Augusto – um cara que escreve muito bem e é sempre
preciso em suas citações - do que pelo fato de não encontrar a casa de Verlaine
ou o refúgio do autor de “Paris é uma Festa”.
Continuei andando na rua que começava depois da escolinha e
que era uma continuação da Mouffetard. Ela vai dar na Sorbone e seria legal
passar por ali e também pelo Pantheon. Mas, nem bem tinha andado uns 50 metros,
deparo com – adivinhe o quê? – justamente La Maison de Verlaine, exatamente no
número 39 da rua... Descartes que é o nome da continuação da Mouffetard. O
restaurante estava fechado – aliás, tinha um empregado ou proprietário lavando a
frente – mas há uma entradinha fechada por uma porta de vidro ao lado do
restaurante, talvez a entrada original da casa de Verlaine.
Ali, na pequena fachada,
além de uma inscrição em pedra sobre o poeta, há também outra registrando a estada
de Hemingway. E várias fotos num quadro, já amareladas pelo tempo. Tentei olhar
lá dentro, mas quase levo um banho de mangueira do rapaz que estava lavando tudo
por ali. Fui para a calçada do ouro lado – a rua é bem estreita - e, como sugeriu
Sérgio Augusto no livro, pensei em Hemingway no andar de cima, há mais de 60
anos, metralhando sua Smith Corona. Agora preciso dar um jeito de avisá-lo que,
no caso, não foi a numeração que mudou, mas a própria rua.
Que maravilha Edmilson, obrigada por compartilhar.
ResponderExcluir